Eu não sou especialista em autismo, somente uma autista que descobriu o diagnóstico há pouco tempo, então o que irei escrever é baseado nas minhas experiências e sobre o que eu estudei até hoje sobre a síndrome de Asperger.
A terapia ajuda e acredito que seja essencial para o autista. Uma terapia cognitiva que nos ajude entender o mundo, perceber que nem sempre as coisas seguem uma lógica e a nossa dificuldade de olhar para o todo faz com que não percebamos detalhes que para as outras pessoas são instintivas. Eu não consigo olhar nos olhos porque meu corpo sente muitas coisas, é como se eu estivesse nua e exposta, então olho para a boca, com isso perco todas as emoções, as mentiras e as verdades que as pessoas geralmente passam através de suas expressões faciais. Mas nosso cérebro sempre exige respostas e desfechos, então ele nos dá uma história que nem sempre é a verdadeira.
Eu vejo todas as coisas como um treinamento, porque é o que me parece que a vida é, então me esforço para superar e mudar. Experimentar, talvez seja uma boa palavra para descrever a minha vida. Eu peço um abraço, acho que em horas impróprias, mas não sei direito como fazê-lo, meu corpo sente tudo e qualquer toque passa pelo meu corpo como eletricidade. Gosto de mãos, as admiro e gosto de segurar porque traz um efeito bom e seguro, é menos intenso do que um abraço, embora algumas pessoas dão choque só de me cumprimentar e aí eu não gosto.
O pensamento do autista é rígido, não gostamos de mudanças porque o nosso cérebro compreende algo e aceita que as coisas devem acontecer daquela maneira, então esperamos que aquilo aconteça, quando há alguma mudança a sensação é de que tudo está errado e nos trás uma sensação de rejeição muito forte, somos hipersensíveis e a maioria de nós tem hipersensibilidade sensorial, as crises são causadas em sua maioria por esses fatores. As pessoas "normais" não agem assim e elas se adaptam mais fácil, para elas é instintivo conversar com alguém e saber o que dizer, para nós é uma conta matemática. Em muitas situações eu pareço robótica, eu percebo e tento relaxar e agir naturalmente, eu penso: "você já sabe o que dizer, agora fale isso de forma natural.", não dá muito certo e eu me sinto envergonhada por não conseguir fazer o que minha imaginação trouxe a tona.
Quando eu comecei a fazer terapia, nem imaginava o que era autismo, para mim eram somente aquelas crianças que ficam se balançando e eram extremamente inteligentes (vide Rain Main). Eu estava em meio a uma crise a ponto de não conseguir sair na rua, não conseguia entender a minha sexualidade e tinha um trauma a ser trabalhado. Fazia terapia duas vezes por semana, durante quatro anos. Eu nem via o meu salário, ele só servia para pagar a terapia, mas eu estava em busca de uma melhora significativa, por isso que não gosto muito quando as pessoas chegam até mim colocando a culpa na falta de dinheiro para se tratarem, pois eu vou pela lógica de que quando é importante conseguimos dar um jeito. Eu estava realmente esgotada e com muitos pensamentos suicidas, o que sempre foi comum em mim, mas quando eles demoram muito tempo para passar fica complicado, eu costumo colocar na balança e ver se existe mais uma chance ou se devo mesmo dar o meu reset. Até hoje sempre houve mais uma chance, morar com os meus pais fez uma grande diferença nesse sentindo, pois eu não gostaria de envergonhá-los.
Hoje, após a descoberta do autismo, por tudo o que eu li e pelos profissionais que conheci, cheguei a conclusão que essa terapia não me ajudou. Eu entrei mal e sai mal, passei todo o percurso entrando e saindo de crises de ansiedade e depressão extremas. Eu sei que a gente sempre aprende algo, que tudo faz parte da nossa evolução, mas também sei que as coisas poderiam ser diferentes se eu tivesse tivesse o diagnóstico antes, afinal, "só vencemos a guerra se conhecemos nossas armas" (essa frase é uma metáfora).
Uma boa terapia, consegue esclarecer para o autista e para as pessoas que estão próximas a ele esses fatores que eu acabei de citar, nos deixam mais tranquilos sabendo que pelo menos quem está próximo e a família irá respeitar nossa condição atípica. Irão nos ajudar a entender o mundo, não dirão mais que não somos espertos, preguiçosos e que somos arrogantes só porque temos muita dificuldade de nos expressar e passar nossos sentimentos (Não suponha que cada palavra que dizemos é aquilo que pretendíamos.).
Minha mãe tentou entrar em contato algumas vezes com o antigo psiquiatra, porque ela presenciava as minhas crises, sabia que eu me machucava, que eu tinha um jeito que ela não entendia e nem conseguia aceitar, mas ela como mãe gostaria muito de entender a sua filha e de ser mais próxima, e talvez, até ganhar um abraço um dia. Eu nunca consegui me aproximar muito dos meus pais, eu gosto deles, mas para um autista que tem uma excelente memória a longo prazo é muito complicado, sentimos as lembranças como se elas estivessem acontecendo naquele exato momento. Infelizmente o psiquiatra nunca a atendeu, talvez, por algumas questões e crenças dele e por eu já ser adulta.
Quando eu fui procurar o diagnóstico e esclarecer minhas duvidas com profissionais da saúde especializados em autismo, vi que a presença da mãe era além de essencial, obrigatória. As mães tem muito a dizer, sobre suas dores, sobre a concepção e o parto, sobre o decorrer da infância e as dificuldades vivenciadas por elas. Não há nenhum sentido de culpa, mas sim um entendimento que melhora a convivência.
Do ponto de vista neurológico, os cérebros humanos em geral são “equipados” para permitir que seu feliz proprietário pense sobre si mesmo e sobre os outros. As informações sensoriais são enviadas para a amígdala, que é a porta de entrada do sistema límbico, área responsável pelo processamento de emoções, é nesse caminho que entendemos as crenças, as emoções e as atitudes alheias. Usando o conhecimento armazenado, a amígdala determina a resposta emocional que deve dar a cada estímulo que recebe e, com o tempo, cria vários significados emocionais do ambiente. Entretanto, nas pessoas que tem alguma disfunção cerebral, as conexões entre a amígdala e as áreas sensoriais tendem a apresentar distorções, o que na prática resulta em reações emocionais extremadas a estímulos e fatos sem tanta importância e descaso em relação ao que é fundamental para as outras pessoas.
Alguns traumas em crianças, também causam alterações na estrutura cerebral, a diminuição da amígdala e alteração no tamanho do hipocampo, lendo sobre essas informações e suas consequências, percebi que há semelhanças com o que os estudos apontam também sobre o cérebro autista, como sou adulta tive duvidas a esse respeito. Será que sou mesmo autista?
Eu costumo sempre falar a verdade e quero sempre a verdade do meu lado. Nas consultas com a participação da minha mãe, percebi que desde que eu era um bebê as coisas sempre foram assim, diferentes. E isso para mim provou não só o autismo, mas que não depende só da "força de vontade", ou um certo pensamento positivo como pregam algumas teorias, existem outras coisas no caminho de como chega a informação para cada um de nós. Por isso, a partir dessa descoberta a minha luta é voltada pelo respeito a neurodiversidade.
Sobre as coisas que falamos e fizemos quando passamos por crises, sobre a convivência da mãe com o filho eu indico o filme: "Tão longe, tão perto". Sobre o estudo da estrutura cerebral eu indico o livro: "O cérebro autista" da Temple Grandin, que é perfeito com muitas explicações a respeito dos tipos de pensamentos, neuroplasticidade, cérebro típico e atípico.