Solidão e outras coisas

by - janeiro 27, 2018



Quando eu era criança eu não fazia ideia que eu era diferente. Sabe como eu descobri? Com as pessoas me tratando de maneira diferente.

O que eu quero dizer com isso? É que eu percebo. Desde que entrei para o colégio comecei a perceber a grande diferença entre eu e os outros, era como se eu soubesse algo que eles não sabiam, mas eu não fazia ideia do quer era e por incrível que pareça, isso me mantinha forte a respeito das coisas que eu precisava enfrentar.

A minha forma de tentar fazer amigos era um pouco estranha. Eu decorava a fala de uma novela na qual uma personagem falava: "Vai catar lata". Então, cada vez que uma criança se aproximava eu falava essa frase. Pessoas com autismo repetem frases, porque não sabem se expressar. Eu como Asperger adulta tenho mais facilidade de encontrar essas palavras e já sei me expressar muito bem, mas nem sempre foi assim, então agora posso explicar um pouco sobre isso.

Eu sempre gostei de estar perto de pessoas e de ter amigos. Não posso acreditar que alguém queira realmente ser deixado sozinho. O que incomoda é que as coisas nem sempre dão certo, sentimos muito quando as pessoas demonstram desinteresse em nossos assuntos, porque geralmente a gente se esforça muito para ouvi-las, esperamos que acabem de falar sobre suas coisas, mas a gente também gostaria de conversar sobre as nossas coisas. No final, acabamos nos acostumando com a solidão, sem sequer perceber como isso aconteceu.

Quando eu ouço alguém me tratar como se eu amasse ficar sozinha, isso me faz sentir solitária demais. Sinto como estivessem me dando um gelo de propósito. Isso é algo que tem sido corriqueiro nos últimos tempos porque a minha conexão com pessoas aumentou de certa forma. Algumas pessoas ficam muito tempo sem falar comigo, quando retornam elas vem acompanhadas de uma enxurrada de informações sobre suas vidas, coisas das quais eu não participei, me sinto mal por entender que eu só sou uma boa ouvinte, como um objeto virtual.

A vida cotidiana é repleta de situações difíceis, ás vezes, a emoção fica congelada dentro da gente e noutras vezes falamos sem parar, gritamos e falamos palavrão. Sozinhos, quando não temos que pensar nos outros e em nada mais, exibimos nossas expressões naturais, o que durante muito tempo me fez pensar que eu era louca. Porque eu conseguia sentir tantas coisas quando estava sozinha?

Lembramos de muitas situações da nossa vida, o problema é que são lembranças desordenadas, elas se repetem na nossa cabeça como se tivessem acabado de acontecer. Quando isso ocorre, as emoções que sentimos da primeira vez voltam com a mesma intensidade. Geralmente são memórias ruins, coisas que a gente não gostaria de relembrar, não desse jeito, podemos congelar, tremer ou entrar em pânico.

Eu percebi isso mais claramente em mim quando comecei a fazer terapia e tinha sensações ruins depois, quando estava sozinha. Depois eu fiz um tempo de Constelações Familiares, foi um tempo dificil porque eu não sabia do autismo e não sabia o que estava acontecendo comigo. Foi um grande erro da minha parte ter me exposto daquela forma, sem acompanhamento de um bom psiquiatra ou neuropsicólogo, eu poderia ter tentado o suicídio, fiz planos diversas vezes e de diversas formas, tamanho era o meu sofrimento. Em vez disso, eu me agredia fisicamente e o que realmente me salvou foi estar morando com os meus pais, eu jamais iria expô-los dessa forma.

A questão do erro é muito complicada para a gente, pode ser um erro pequeno, mas não para de nos perturbar. E se uma pessoa que a gente cria afeto e tem respeito pelo que a pessoa nos fala, aponta nossos erros de maneira critica, é terrível. É como se o céu e a terra tivessem trocado de lugar.

Então, minha  grande esperança é poder ajudar um pouco, explicando do meu jeito, o que acontece na mente de algumas pessoas que são como eu. Também espero que você possa se tornar um amigo melhor para alguém com autismo.

5 coisas que é legal saber sobre o pensamento autista:

1. Não suponha que cada palavra que dizemos é aquilo que pretendíamos.

2. Meus sentimentos são bem parecidos com os seus.

3. Nos sentimos abandonados pelo mundo inteiro.

4. O conceito do que é engraçado para nós é diferente do que é para vocês.

5. Temos a sensação de que o nosso corpo não nos pertence e ele realmente escapa do nosso controle.



O que me faz pular, de Naoki Higashida

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5 comentários

  1. Lembro da epoca da escola em que um dia eu esqueci como se pronunciar a palavra "agua". fiquei com sede durante meses até lembrar. Eu desde pequeno sempre fui muito preocupado em como agir normalmente dentro da sociedade e quando eu nao conseguia, ficava quieto na minha. Era uma habilidade incrivel de guardar tudo pra mim, cada maluquice que eu pensava era só minha e eu tinha muito medo que as pessoas soubessem. O que me fez ir comendo pelas beiradas até chegar na idade adulta. Eu aprendi tão bem a fingir que eu realmente me vi um certo tempo como uma pessoa comum. Mas ai o forninho caiu. Ai tudo veio a tona. Ai a solidão se fez presente.
    Hoje eu não sinto muita coisa. Nunca fui bom em sentir. Conheço testemunhos de outros aspies que eles também tem dificuldade em sentir. Acho que isso depende de como foi a criação do individuo.
    Hoje eu tenho amigos e vivo dando um tempo deles. A pior coisa é se culpar achando que isso é maldade da nossa parte. Quando na verdade voce se sente afogado quando uma pessoa fica muito tempo na sua vida. Não sei se vou casar um dia ou ter filhos, provavelmente não. Mas não me sinto triste por isso, sei que tirando essa possibilidade, serão menos pessoas que sofrerão na minha mão.

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    1. Sim. Eu era péssima na escola, esquecia as palavras e na verdade até hoje sou assim. Mas uma vez esqueci até como escrevia o meu nome kkk... Eu também sempre tentei disfarçar e ser o máximo que eu podia uma pessoa normal, imitava os outros ao ponto de não saber quem sou eu e nem quais são os meus gostos. Eu sou como você, também dou um tempo das pessoas, mas eu não sei se tenho amigos, eu acho que não.

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  2. Ah sim... embora não sinta muito, tenho problema em relembrar de garfies. Como sou muito preocupado em não parecer anormal perante a sociedade, quando lembo das garfies eu começo a surtar onde eu to. Por isso preciso balaçar a cabeça rapido ou acelerar de alguma forma. Tentar entrar o seu EU sozinho, acho que foi a pior merda que eu fiz comigo. A depressão veio e veio forte. Hoje tento arranjar formas de me livrar dela. As vezes consigo, as vezes nao.

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    1. Talvez você ficou traumatizado e por isso surta. Nossas memórias são desordenadas e quando elas vem, é mesma coisa que tivéssemos passando pela primeira vez. Eu descobri isso quando comecei a falar sobre um trauma meu, que eu queria muito esquecer, mas achava que ele era o núcleo de todos os meus problemas, então fiz terapia e comecei a falar, eu não sabia do asperger. E todas as memórias voltaram como se fosse ontem e depois disso eu nunca mais consegui ser a mesma pessoa. Eu não sei se foi bom ou ruim, mas modificou tudo.
      Eu lembro de gafes que eu cometi na infância e adolescência e sinto a mesma coisa no meu corpo que eu senti da primeira vez, ficava agitada e algumas delas eu tinha tanta vergonha que não contava para ninguém. Mas de uns tempos para cá passei a falar um pouco mais e ainda sinto a sensação ruim, mas diminuiu.

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  3. O seu papel é extremamente fundamental para reduzir o preconceito e aumentar a compreensão sobre as várias facetas dos transtornos neuropsiquiátricos (como você citou algumas vezes, além do autismo, depressão e ansiedade)! Se não for muito invasivo, queria saber se você pode falar sobre suas experiências em relacionamentos, principalmente os amorosos? Você escreve muito bem, adoro sua escrita. Já pensou em publicar um livro?

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