Evoluir faz parte

by - fevereiro 03, 2018



Dias difíceis. Eu acho que a morte é a única coisa justa de toda a nossa existência.

Meu cachorro está morrendo e eu sinto por ficar sem ele, mas sei que ele cumpriu o seu ciclo aqui na terra e agora se prepara para uma nova etapa da sua evolução. Ás vezes, eu acredito muito nisso que estou escrevendo agora, noutras não acredito em quase nada.

No livro "O que me faz pular" de Naoki Higashida, um menino de 13 anos conseguiu me esclarecer coisas que nenhuma terapia que eu já tenha feito e nenhum livro que eu já tenha lido conseguiram explicar. Naoki fala sobre as suas dificuldades como autista não-verbal, algumas são tão parecidas com as nossas dificuldades aspies, fala sobre o contato com a natureza e a pureza da conexão do autista com as outras dimensões.

Enquanto isso, vejo pessoas neurotípicas querendo ter essas mesmas experiências de maneira forçada e artificial, dando importância a coisas que são somente da sua própria criação. Percebo como alguns autistas conseguem acessar tais informações de maneira simples e natural.

Nós autistas, não somos muito bons nas relações sociais já que pensamos muito na impressão que estamos causando ou na maneira certa de reagir a isso ou aquilo. Mas a natureza sempre está pronta para nos envolver de forma gentil, ela acalma quando estamos furiosos e ri conosco quando estamos felizes.

Nossa relação com a natureza é um pouco diferente, as pessoas "normais" se emocionam com a beleza de uma flor ou de uma árvore. Mas nós, quando olhamos para a natureza, recebemos uma espécie de permissão para estarmos aqui neste mundo. Nós podemos sentir com o nosso corpo, como se fôssemos uma extensão, uma maneira bem comum de sentir isso é através da água, por isso quase todos os autistas adoram a água e adoram falar sobre o quanto eles gostam. Podemos ser ignorados e rejeitados pelos outros, mas a natureza sempre nos dá um abraço grande e caloroso.

Quando eu era criança e alguém me perguntava quem era Deus, eu respondia que era a natureza. Fugia de casa para estar perto dela, queria estar para sempre no meio dela e por isso minha grande paixão pelo mar. Foi justamente observando a natureza que entendi muitas coisas que eu não conseguia sentir, eu associava a minha duvida a algum acontecimento da natureza e então havia uma resposta: "Você não precisa se preocupar com isso".

O autista não tem liberdade. Nos sentimos presos a um corpo que muitas vezes parece que não é nosso. Somos um tipo diferente de ser humano, nascemos com sentidos primitivos. Estamos fora do fluxo natural do tempo. E por isso muitas vezes eu gostaria de voltar ao tempo em que eu era só uma forma líquida, eu sei que era assim, já me vi várias vezes em outro plano flutuando em um corpo que não sei do que é feito, mas não é matéria sólida.

É difícil dizer isso às pessoas, porque a forma como exponho é que eu gostaria mesmo que acabasse tudo para mim, afinal não há muitas coisas que eu gosto de fazer aqui e fico ansiosa sobre a minha situação no futuro, me sinto inútil muitas vezes, não tenho amigos e nem uma pessoa que me compreenda verdadeiramente.

Mas no livro o Naoki também escreve: "Não importa onde estamos ou o que fazemos, nunca ficamos de fato sozinhos. Pode parecer que não há ninguém lá conosco, mas estamos sempre na companhia de amigos."

Esta frase me trouxe uma boa lembrança que aliviou meus pensamentos, porque eu tenho me sentindo muito triste ultimamente, a ponto de nem conseguir trabalhar direito, as memórias não tem me ajudado a resgatar bons momentos, somente um bocado de promessas desfeitas. Vejo as pessoas a minha volta serem amigas umas das outras, se divertirem e eu sei que elas estão certas, mas desde que eu comecei a ter consciência, aos 6 anos de idade, eu me pergunto, e eu?

Porque eu não consigo fazer parte? Porque eu não sou merecedora? As pessoas me prometeram muitas coisas, elas falam "vamos ajudar e um dia chegaremos lá". Mas para mim esse dia nunca chegou, fiquei de fora observando e esperando. Algumas pessoas me procuram falando que estão se sentindo sozinhas e sem opção, elas esquecem que eu nunca tenho opção e por isso estou ali, disponível. Dói ser assim.

Sei que é dificil para elas entenderem como eu me sinto quando alguém me procura dessa forma, porque elas não precisam se esforçar para controlar a si mesmas e seus corpos, então nunca irão conhecer essa dor. E também sei que um autista nunca se sente a vontade, não importa onde esteja. Estamos sempre a procura de um lugar adequado e seguro para que possamos ficar sozinhos, mas é uma ilusão, esse é um lugar que não existe fora do nosso corpo.

No final do livro, Naoki conta a história de Shun, um menino que achava que sabia tudo sobre si mesmo, mas que depois daquele dia não teve mais tanta certeza assim. É um conto perfeito que se encaixaria bem aqui, mas eu vou resumir a história em uma postagem a parte.



Vários trechos do livro "O que me faz pular", de Naoki Higashida.

Você pode se interessar

2 comentários

  1. Eu me identifico muito com vários sintomas do autismo leve nas garotas e depois de seis messes de incessante busca por informações a respeito dele (tanto em artigos científicos quanto em depoimentos em blogs e no Youtube) eu resolvi ir atrás de um profissional, já tive duas consultas com o psicólogo a última foi quarta-feira (eu queria que tivessem me encaminhado para um psiquiatra, mas devido a visão estereotipada da médica do postinho foi só isso que eu consegui). Eu tenho 16 anos, sempre me senti diferente das outras pessoas e também era tratada como a esquisita,nunca nada fez tanto sentido para mim como a possibilidade de ser autista, muitas coisas se encaixam, mas eu também sei que é muito difícil conseguir o diagnóstico devido a nossa maior habilidade de nos camuflarmos, porém verdadeiramente eu me sinto parte disso. Costumo falar que para mim isso é como se eu fosse tudo mergulhada em nada. Obrigado, encontrei recentemente o seu blog, fiquei encantada e me identifiquei muito com você também, a forma peculiar de sentir e ver o mundo, é ótimo saber que eu não sou a única que pensa assim.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Vitória, que bom que você gostou do blog. Espero que as minhas experiências, ou o que eu consigo escrever sobre elas, ajude outros pessoas e principalmente as mulheres.

      Sobre o seu diagnóstico, eu acho que você não deve desistir, eu sei que é difícil, mas o autoconhecimento é base de tudo.

      Eu consegui o meu diagnóstico há pouco tempo e eu já tenho 41 anos. Faz dez anos que estou nesta busca, fiz tratamento com psiquiatra durante quatro anos e outras terapias durante três anos e nenhum deles me deu explicações.

      Quando eu comecei a ler sobre asperger, me identifiquei, as peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar, tudo o que aconteceu na minha vida ganhou uma justificativa.

      É um susto e ao mesmo tempo vem uma duvida: será que eu sou mesmo? Mas eu sou normal, não sou como a fulana e nem como aquele que eu vi no filme. E logo em seguida você pensa, mas todas as pessoas são diferentes, eu posso continuar me sentindo culpada pelo resto da vida ou aceitar que sou asperger e fazer o melhor para mim, me respeitando a partir de agora.

      Espero que você consiga logo o diagnóstico, mas vai estudando e lendo tudo sobre Asperger. E eu indico bons livros aqui no blog, são livros que me ajudaram muito a entender e a traduzir tudo o que eu sinto e não sabia explicar.

      Qualquer coisa que precisar estou por aqui. :)

      Excluir

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *