Hiperfoco é excesso de concentração. É um fenômeno consciente ou não, onde o indivíduo foca em um ou mais elementos pertinentes e abstrai quase que absolutamente os demais. O controle atencional está mais diretamente ligado à experiência de prazer, o controle voluntário está enfraquecido e a pessoa não consegue exercer o autocontrole que é, conseguir fazer o que ela sabe conscientemente que deveria fazer. No hiperfoco, o foco é bastante rígido e a pessoa pode permanecer neste estado por longos períodos, até que por cansaço, exaustão ou frustração acabe enfraquecendo o controle exercido pelos centros sub-corticais.
Às vezes, o hiperfoco é uma benção quando faz parte do nosso trabalho. Nos dedicamos a atividades com as quais nos sentimos envolvidos e motivados, e nos permite chegar em níveis muito superiores de engajamento e desenvolvimento, o que com certeza chama atenção das outras pessoas.
Eu trabalho há bastante tempo e sempre relacionado com o meu hiperfoco em informática, o que me trouxe muito conhecimento nesta área. Mas eu não entendia como isso funcionava, eu simplesmente sentia um prazer muito grande em ficar horas na frente de um computador e aprender tudo o que eu podia, desde o conserto de máquinas, redes, desenvolvimento de sistemas e designer gráfico. Quando trabalhei na prefeitura eu costumava dizer que lá era minha casa, eu ficava das 8 da manhã até de madrugada fazendo sempre o mesmo movimento, eu sentia muito prazer nisso, não ia nem ao banheiro, nem ganhei horas-extra ou um bom salário por isso, era uma atividade intensa e a única pessoa que via algo errado era a minha mãe, porque ela se preocupava com a minha saúde, as outras pessoas estavam interessadas nos resultados.
Os meus empregos foram conseguidos através da minha família, eu nunca soube como pedir um emprego ou passar por uma entrevista. Demorei para terminar a faculdade, porque eu nunca consegui me achar apta e frequentar as aulas, também nunca me intitulei programadora até conseguir um diploma que me desse essa nomeação. A minha primeira entrevista de emprego foi ano passado, eu fiquei tão nervosa e ansiosa, a minha voz saia tão alto que eu mesma podia ouvi-la e me assustar com ela, foi horrível. Mas no final deu certo, a pessoa que me entrevistou tem um filho autista e a pouco tempo ele me confessou que por isso me contratou, ou seja, acho que ele sabia do meu diagnóstico antes de mim.
Gosto muito do que eu faço, sempre penso em colocar uma boa energia para que as coisas deêm certo. Eu dou muito valor em todas as coisas que são feitas dessa forma, então gosto de presentear pessoas com coisas que eu mesma desenvolvo no hiperfoco, se eu lhe der um presente assim, é porque eu gosto mesmo muito de você, acho que vale por mil abraços como dizem, é que abraços para mim não são tão bons assim.
Também gosto de dividir o meu conhecimento, quando estou no hiperfoco eu aprendo as coisas muito rápido e gosto de compartilhar. Sabe, escrever e-mails detalhando todo o aprendizado? Mas eu aprendi que isso é algo ruim e que afasta as pessoas de nós. É que faz pouco tempo que tentei ter amigos de uma maneira mais profunda e aí percebi que as pessoas não se interessam muito por isso, elas acham chato. Na verdade, eu fico triste quando isso acontece, porque para mim era algo bem importante, como quando compartilho os filmes que eu coleciono e a pessoa critica, fico triste, mas procuro não repetir mais a mesma coisa.
Esse ano estou tentando alinhar o meu trabalho, pois estou trabalhando como autônoma. Preciso entender como cobrar bem pelo que faço, porque mesmo que esteja dentro do hiperfoco também é um trabalho. Está sendo um pouco difícil lidar com as pessoas, perdi um pouco de dinheiro porque eu não soube ser clara no valor e a pessoa não concordou em pagar no final, acabei ficando mal porque senti que eu estava fazendo algo errado. E sentir que está errado para um asperger é como se o céu e a terra tivessem trocado de lugar, no meu caso demoro muito tempo para me recuperar.
Depois eu aceitei trabalhar por menos do que eu havia pensado e isso me causou uma frustração. Porque quando eu cobrava por trabalho, a pessoa pediu que não me mandassem mais trabalhos e quando aceitei o valor estipulado encheu de coisas para eu fazer e há uma certa cobrança de horário. Isso faz eu me sentir boba e não uma adulta, parece que eu não sei pensar, que não sou inteligente o suficiente para entender tudo o que acontece ao meu redor.
Os neurotípicos tem uma maneira muito estranha de resolver as coisas. Eu tenho 41 anos e vivi até a pouco tempo sem diagnóstico, me machuquei muito por não ser igual a eles, por não fazer e sentir as mesmas coisas, agora que eu sei que há uma diferença entre nós e essa diferença fica na configuração do meu cérebro. E de verdade, hoje em dia, eu não quero mais ser igual, mas gostaria de aprender algumas habilidades quando se trata de valorizar o meu trabalho mesmo ele sendo um hiperfoco.
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