Parece que está sendo fácil, mas é um pouco difícil. Para um neurotípico é considerado um hardcore level, para um asperger ainda não inventaram a palavra.

Aqui utilizo os mesmos métodos do Brasil, tudo é muito bem pensado. A noite eu penso em todos os passos que vou fazer ao acordar, o que devo colocar na minha mochila e o que devo comprar no supermercado. Mesmo assim não consigo sair antes das 11:00, pois minha cabeça fica o tempo todo trabalhando e eu me perco no que deveria fazer mesmo. Eu ainda não consegui comer em lugar nenhum, já sentei em vários lugares e eu olho o menu e são tantas opções que eu não sei o que decidir, então levando e vou embora. No Brasil a questão da comida é a mesma, geralmente eu sinto muito vontade de chorar porque as pessoas conseguem escolher o que elas querem e nem percebem a minha dificuldade.

O google maps tem guiado meus passos, decorei o número do ônibus que eu devo pegar que é o 222, então, quando ele chega, primeiro eu vou lá na frente conferir o número para depois entrar. Às vezes, alguém me diz que devo ir até o final da linha, mesmo que "algo me diz" que devo descer, eu não o faço, sigo até o final da linha e depois tenho que andar um tanto a pé para ir onde eu gostaria.

Sofro um pouco nos locais que visito pela primeira vez, pois o cérebro autista só consegue visualizar um detalhe e não o todo como um neurotípico, precisamos ficar (bloquear a vontade de sair correndo) e nos acostumar com todas as coisas para conseguir enxergar o resto. Por exemplo, em uma praia procuramos a linha do horizonte e nos sentimos bem, só depois de estarmos habituados que percebemos as outras coisas que tem no lugar.

Isso é algo que me assusta muito aqui, Paradise Bay não tem linha do horizonte, tem um hotel do outro lado da praia, quando eu cheguei lá, eu sentei em uma escada na frente da praia e chorei muito. Não era o que eu estava esperando, cadê a praia? Cadê a linha do horizonte? Isso não é uma praia. Conversei pelo whatsapp e fui me acalmando até conseguir andar e perceber outros detalhes que me agradaram, mas é um choque para a gente.

Eu estou indo a todos os lugares sozinha, acho que isso ajuda na parte de não ser chamada de chata, mimada ou qualquer outra característica que as pessoas deverão empregar a mim, não me conhecendo e sem nenhum conhecimento sobre o funcionamento de um cérebro atípico fica muito dificil para o neurotipico aceitar as coisas que falamos.

Esta semana o quarto ficou mais vazio e isso foi muito bom, toda a parte do meu processamento sensorial esta muito mais sensível, os barulhos me incomodam muito, os cheiros também, então, aqui na casa eu fico a maior parte do tempo no quarto, para que eu possa me tranquilizar e não incomodar as outras pessoas.

Me sinto muito sozinha. Hoje eu fui em uma ilha linda, andei muito, vi na natureza os cactos gigantes, os lagartos bem pequenos, as pessoas acampando e no mar eu vi os peixes nadando junto com os humanos, pensei que se eu tivesse amigos ali seria bem divertido.

As águas daqui são calmas e muito limpas, uma verdadeira imensidão azul. Na ilha de Comino eu encontrei um lugar chamado de praia de crystal, tinham somente algumas pessoas ali e foi o lugar que eu mais amei estar até agora, demorei muito para ter coragem de entrar no mar, eu tinha medo de cair porque é bem escorregadio mesmo, mas eu fui me arrastando e tive coragem de pular.

No ônibus eu escuto as pessoas falando muito, todos os tipos de língua e fico tentando definir cada uma delas, às vezes, preciso dos meus fones de ouvido para que a minha mente fique mais calma, sinto o cheiro delas e, às vezes, não é muito agradável, por isso que eu sempre torço para o ônibus estar mais vazio.

Amanhã entro na rotina da escola de novo, é bom porque ai não tenho o compromisso de ir visitar mais algum lugar, já sei o caminho da escola e vou a pé e sem google maps, com pensamento voltado para o que devo fazer para ter um dia bom na escola, também acho que devo descansar de todo o processamento visual do final de semana.