Um asperger em intercâmbio - Parte 9

by - outubro 01, 2018

Está sendo bem dificil ficar aqui, estou com problemas na alimentação, não consigo mais conviver com as pessoas, estou bem próxima ao meu limite.

Vou explicar um pouco como são as coisas por aqui: estou convivendo em um quarto com mais outras 3 pessoas, com as questões de horários, barulhos e sujeiras. Na casa, acredito que tenham umas 20 ou mais pessoas, compartilhando a cozinha, lavagem das roupas e banheiros. Até o momento não consigo me alimentar na cozinha porque sempre tem muitas pessoas por lá, os banhos são rápidos e sofro muito pois é muito ruim colocar meus pés no chão com tantos cabelos e sujeira pois todos circulam com sapatos. Não tem alguém que limpe o lugar, então tudo é muito sujo, todo sábado entram mais pessoas e saem outras, coisa que para mim se torna muito dificil e eu prefiro ficar no quarto, meu cérebro não consegue se acostumar com essas mudanças, sabem aquela sensação de estar tudo errado? É muita informação e tudo parece confuso demais. Eu fiz da minha cama meu porto seguro para poder me sentir protegida em algum lugar, mas não é fácil ficar aqui no quarto.

Algumas pessoas já perceberam que eu sou diferente e já me fizeram perguntas a respeito disso, então falei sobre o autismo e elas me acharam muito corajosa de enfrentar tudo isso sozinha, eu também me acho corajosa, mas não faria novamente.

Para um autista isso é chegar no máximo do seu limite, não tenho certeza porque eu estou fazendo isso, mas estou aqui e não chega nem perto do lugar que eu gostaria de estar. Há dois anos eu fiz o intercambio para a Nova Zelândia e lá acho que seria um lugar que combinaria muito mais comigo, mas infelizmente não consegui ir por falta de dinheiro.

Ontem eu me perdi  aqui em Malta, andei mais de 3 horas e de repente eu não sabia mais onde estava e o meu celular ficou sem bateria. Eu havia atravessado a via expressa e essa era a única coisa que eu sabia. Comecei a andar e tentar ver se eu reconhecia algum lugar e nada, era tudo novo para mim. Não encontrava uma pessoa ou um comércio para pedir informação, sendo que eu não falo inglês, é a primeira vez que entro em contato com o idioma de forma mais efetiva. Andei por mais 1h30 até conseguir encontrar um senhor que me disse que eu estava bem longe de San Julians e que eu devia subir e descer uma rua, pois bem fiz isso até encontrar outra pessoa que me ajudou a entender as placas dos ônibus (aqui tudo é em maltês).

Passei por duas situações bem chatas a respeito de homens, não aconteceu nada, mas poderia ter acontecido algo ruim. Não vou descrever aqui, pois tenho vergonha de me expor. Uma das coisas comuns do autismo é não conseguir entender a intenção das pessoas, eu por exemplo, não consigo interpretar fisionomias e o que a pessoa quer comigo, por esse motivo não consigo enxergar a maldade, então acabo sendo um alvo fácil, me coloco em situação de risco sem me dar conta. Descobri isso desde que comecei a estudar o autismo, o qual me trouxe muitas respostas para questões da minha vida, incluindo as sexuais.

Nessas duas situações eu percebi o quanto essa deficiência (vamos chamar assim) é ruim para as mulheres autistas, que precisam se proteger de alguma forma, nós não conseguimos perceber por instinto a intenção da outra pessoa. Na minha cidade eu nunca saio sozinha e achei que já tinha uma boa consciência sobre isso. Aqui eu não consegui fazer amizades, então sai um dia a noite sozinha,  vou para as praias e a todos os lugares sempre sozinha. Só consegui entender realmente o risco que eu corri quando eu comentei com outra mulher e ela ficou apavorada.

Sei que o autismo não tem cura e nem queremos isso, porque todos somos neurodiversos. Sei que faz parte da natureza humana evoluir em muitos aspectos, que existe a plasticidade cerebral e que ela funciona muito bem. Eu tive uma criação neurotipica, então os meus stims, as minhas "coisas de autista" são bem disfarçadas, só quem convive comigo e presta realmente atenção em mim é que percebe algumas diferenças. Mas esses disfarces me fizeram sofrer e eu me perder de quem eu sou de verdade, algumas situações que eu passo são minhas, mas podem acontecer com todas as pessoas. Com autistas elas são mais comuns e por isso requerem atenção. Acredito que quando mundo evoluir entendendo e respeitando a neurodiversidade muitas coisas irão mudar nas questões de violência e educação.



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4 comentários

  1. Oie, como está tudo por aí?
    Sou Erika e estou passando por algo parecido por mais de um ano, viajando pela Europa, reconheço em mim cada uma dificuldade que tem/teve não desista de você, não importa quanta vezes precisar recomeçar, siga buscando o que te traz sensação de paz. Boa sorte e se precisar, peça ajuda. Estou aqui!!!

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    1. Oi Erika, aqui está um pouco melhor porque estou pensando que logo vou estar em casa e também porque assisti a 2ª temporada de Atypical e me fez sentir bem melhor, até me explicou algumas coisas sobre sempre falar sobre os meus sentimentos e não conseguir mentir, sobre se sentir sozinho e sobre as mudanças.

      Muito obrigada por você ter escrito, fiquei feliz. :)

      Você está bem? Está em qual lugar da Europa?

      Qualquer coisa se precisar conversar, você pode me escrever também.

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  2. Grazi, já viajei muito e passei por situações parecidas. Sentava nas praças e chorava sem parar. Saía do planejado me descompensava totalmente.

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  3. Oi Denize,
    É dificil para a maioria das pessoas, mas realmente para nós todas essas coisas são complicadas. Muitas mudanças, nos sentimos perdidos sem a nossa rotina e as nossas coisas. Eu demoro muito tempo para me recuperar depois...
    Não escrevi mais aqui no blog, mas pretendo retornar em Janeiro e escrever mais sobre o que tenho feito, descoberto e sobre as dificuldades que tenho encontrado.

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