Os estranhos no ninho
"A síndrome de Asperger (SA) é uma desordem no desenvolvimento, de causas neurobiológicas. Sua origem ainda não está comprovada, podendo ser genética ou provocada por doenças ou traumas cerebrais que comprometem as áreas do comportamento, da comunicação e das interações sociais."
Na família do meu pai existem alguns casos de aspies não diagnosticados, mas que exibem a maioria das características que fechariam um diagnóstico, se fosse o caso.
"As pessoas com SA são vistas como estranhas, pedantes, esnobes, esquisitas e anti-sociais, postura corporal “esquisita ou desengonçada”, ao mesmo tempo em que brilhantes nos aspectos que concernem à intelectualidade. "
Estes são alguns dos rótulos que os aspies recebem durante a vida, na própria família e principalmente na escola. O acúmulo dessas experiências vai formando um auto conceito social baixo, sentimentos de inferioridade em relação aos demais, timidez, preocupação com a opinião dos outros etc...
Eu fiquei com fobia social após ser vitima de chacotas de alguns colegas da escola; eu não costumava recorrer a ninguém, costumava sofrer sozinho e passava períodos com depressão. No início, eu ficava calado, sem saber o que responder; na adolescência, fui me enfurecendo e passei a resolver no tapa, e depois ficava mal. (B.A. 20 anos, C.H)."
As crianças SA desde cedo apresentam interesses mais intelectualizados que as outras crianças. São observadores e interessados no autoconhecimento e na observação dos demais. Contudo, a maioria não tem um coeficiente intelectual tão elevado, pois, o segredo da performance está no esforço que coloca no objetivo de superar as dificuldades, despendendo energia em um único objeto de estudo (hiperfoco). Não existe para o aspie a palavra "impossível" naquilo que ele se disponibiliza a estudar e fazer.
Muito do que se tem descoberto nos últimos anos sobre como vivem, pensam e agem os indivíduos com SA ou autistas de alto funcionamento baseia-se nos relatos autobiográficos de Grandin (1999), Shore (2003), Willey (1999), Prince-Hughes (2004), Jackson (2003), por exemplo. Todos são, ainda, de pouco conhecimento da população de educadores e profissionais da área da saúde, principalmente no Brasil.
No sentido de ajudar pessoas com ou sem diagnóstico, e pessoas interessadas na SA, é que me prôpus a escrever este Blog, relatando um pouco sobre as minhas vivências, experiências e visão de mundo como uma Asperger adulta.
A dificuldade de fechar diagnóstico se deve a falta de conhecimento da área médica e quase nenhum conhecimento dos profissionais da educação e da psicologia. Muitos aspies recebem diagnósticos de Borderline, personalidade introvertida, esquizofrenia, fobias, psicopatia entre outras.
"Quando eu tinha quatorze anos minha mãe me levou à uma psicóloga, que disse que eu tinha personalidade borderline. Passei oito anos fazendo psicoterapia; me ajudou a compreender que eu posso ser do meu jeito, mas não me ajudou em nada para melhorar o jeito estranho como eu vivo. Eu preciso de um profissional que ajude a me amar, mas também entenda que não consigo mudar meu jeito de ser, assim num piscar de olhos; preciso que me oriente e me ensine a viver de uma forma mais normal, respeitando meu jeito de ser." (A.M, 28 anos, CH).
Uma coisa importante a ser dita é que todos os Aspies se reconhecem como diferentes. E todos os adultos de alguma forma entram em contato com alguma explicação sobre SA e a partir dai partem para a pesquisa, e esta busca, parte do reconhecimento de que precisam de ajuda para melhorar seu modo de viver e da necessidade de compreender o porquê de suas características pessoais.
As pessoas com SA têm um "funcionamento próprio", podem ser pensadores visuais (a maioria) - o que quer dizer que antecipamos visualmente nossas ações e até mesmo o que falamos. Ou seja, falamos muito sozinhos como se estivemos falando com a pessoa, vivenciamos os momentos antes deles acontecerem - Seguem rotinas e regras próprias, mas há uma grande dificuldade nas atividades de planejamento e execução. Segundo Gillberg (2005 s.p), "A incompreensão quanto o seu funcionamento fisiológico, por ele e pelas pessoas que o cercam é o que gera o sofrimento. O sofrimento não é causado por ser "diferente", mas por não ser compreendido, pelas diferenças não serem aceitas, por não serem aceitos como são. São pessoas sinceras, éticas, falam sem
rodeios, não usando artifícios de metáforas ou subtextos e, por
conseguinte, também compreendem as falas no sentido literal da palavra. É claro que com o passar do tempo o Asperger aprende o significado das palavras, recebe alguma explicação e então passa até a usá-las."
Este texto é baseado no Artigo: Como estranhos no ninho: o diferente jeito de viver das pessoas com a Síndrome de Asperger
publicado por:
Eliana Rodrigues Araújo, psicopedagoga, UFRN1
Herculano R. Campos, Professor do Departamento de Psicologia, UFRN2.
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