Regras, rotinas e padrões

by - dezembro 20, 2017



Antes eu gostaria de falar um pouco sobre Asperger e o Autismo de Alto Funcionamento. O nome Síndrome de Asperger está em desuso, foi enquadrada dentro do espectro autista há pouco tempo. O autismo de alto funcionamento e o Asperger são praticamente similares, porém existe uma única diferença, a criança com autismo apresenta dificuldade no inicio do aprendizado, assim é possível que a criança em idade da pré-escola tenha dificuldade de aprendizado, de decorar e compreender consoantes, bem como o de decorar o abecedário, mas terá facilidade com números. Isso quer dizer que a mesma faixa de espectro autista pode ter muitas diferenças entre os indivíduos, alguns com mais facilidades, outros com mais estereótipos e outros com menos. Alerto sobre isso, pois vejo como as pessoas confundem tudo quando comparam uma pessoa com outra, isso não é possível, cada autista é ÚNICO.

Quem se enquadra no Asperger? Pessoas com dificuldades sociais (às vezes, tidos como arrogantes, mal educados, grosseiros, mimados, esnobes, julgadores...), que tem necessidade de rotina, cria suas próprias regras desde a infância, não reconhece regras sociais, não reconhecem fisionomia (não sabe se alguém está bravo ou triste), tem dificuldade em consternar seus sentimentos explicitamente, apesar de amar alguém, ele não diz, com o tempo o cérebro autista aprende com as relações sociais e assim pode passar a dizer, mas de uma forma mecânica e geralmente pergunta o que fazer.

Para mim a rotina é uma necessidade que me deixa tranquila. Não é que eu tenha um horário certo para tudo, mas eu necessito andar pelos mesmos lugares, gosto de estar com as pessoas que eu já conheço, mas não muitas ao mesmo tempo, somente uma ou duas e, definitivamente, não por muito tempo.

Como o meu diagnóstico é recente, durante a vida eu aprendi habilidades e também a mascarar o autismo, sempre tentei me enquadrar na normalidade. Continuo tendo regras rígidas, algumas até impossíveis de serem cumpridas. Quando era criança a televisão não podia estar ligada no Bozo, por exemplo, eu ficava extremamente irritada e não entendia porque as pessoas queriam ver aquilo, não assistia desenhos que eram para meninos, e não suportava os desenhos que eram para meninas (na verdade acho que a minha imaginação era  pobre nesse sentido, mas podia discutir com qualquer adulto coisas como: a preservação do meio ambiente da minha cidade). Eu fazia sempre o mesmo caminho para o colégio, o mesmo ônibus, o mesmo motorista e o mesmo lugar para sentar, se algumas dessas coisas fossem quebradas, eu ficava ansiosa e me perdia. Ainda hoje tenho pavor de me perder e me perco fácil, o que já rendeu umas histórias bem engraçadas.

A alimentação também é ligada a esses fatores e acaba sendo sempre a mesma por muito tempo, na infância era mais difícil pois coisas como textura, aparência e sabor eram importantes e comer sempre no mesmo prato também, passava por problemas intestinais, depois veio a obesidade e no inicio deste ano uma anemia crônica. Nós não percebemos que nossa alimentação é ruim, apenas não pensamos em comer outras coisas além do que já estamos habituados.

Os lugares que eu trabalhei sempre foram bem próximos e quase sempre com as mesmas pessoas, era um ciclo e eu me sentia confortável assim, quando perdi o meu emprego de dez anos na área da TI, eu enlouqueci e desejei morrer, joguei tudo para alto e queria ser qualquer coisa, menos a pessoa que eu era. Eu não tinha a menor consciência que toda a revolta era ocasionada por uma síndrome que me fazia sofrer com a quebra de rotina, principalmente um trabalho que eu amava e estava habituada.

A quebra de rotina causa estresse, ansiedade e depressão, é como se todos os passos que eu dei para a evolução retornassem a estaca zero. Horários devem ser cumpridos, se alguém marca alguma coisa comigo e não comparece, isso faz com que eu me sinta mal por dias.

"Certa vez fui com minha mãe a Florianópolis, na época que eu ia fazer a cirurgia bariátrica, depois do medico fomos para a rodoviária. O ônibus já estava de saída, compramos a passagem rápido e fomos para a plataforma. O motorista pediu que eu escrevesse o numero da minha identidade na passagem, mas eu estava extremamente ansiosa, porque o ônibus precisava sair. Então eu disse a ele que não iria escrever, ele insistiu e ficou bravo. Eu disse que não ia escrever, ele pediu que eu falasse o número, mas eu não lembrava e falei qualquer coisa. Ele ficou mais bravo ainda e pediu que eu lhe mostrasse a identidade, eu dizia que só queria entrar no ônibus e ir para casa, que nós tínhamos comprado a passagem naquela hora na rodoviária. Então o homem começou a gritar comigo e eu comecei a gritar com ele também, demorei muito tempo para me acalmar e acabei ofendendo as pessoas dentro do ônibus. Minha mãe não gostou nada de ter passado por essa situação. Mas na época eu não entendia e não sabia me expressar. No meu entendimento se eu comprei a passagem na rodoviária naquele momento e a pessoa do guichê me disse: "o ônibus esta saindo e vocês precisam ser rápidas", era isso que eu precisava fazer e porque eu precisava provar que eu era a dona da passagem se acabei de comprá-la, e fora que eu estava com muita vontade de estar em casa."

Acredito que ao se reconhecer nesses aspectos, o autista tende a abrir uma porta para a própria evolução, respeitando suas necessidades, não se colocando mais em risco, percebendo que nem sempre ele está certo e principalmente diminuir as situações de desconforto.









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