Asperger no Feminino I

by - janeiro 15, 2018





Um das característica do aspie é a sua rigidez a mudanças, sejam elas internas ou externas, é algo que nos leva para o caos, para os colapsos e para as crises. Mudanças nos fogem do controle e não sabemos mais o que esperar, nossa ansiedade aumenta muito e ficamos depressivos.

Então, agora, imagine como é para uma menina aspie encarar a adolescência? Com todas as mudanças que acontecem no seu corpo, nos sentimentos, nas outras meninas que a cercam e a mudança na forma como as pessoas a tratam.

Para começar falar do Asperger no Feminino eu decidi que o primeiro assunto poderia ser sobre menstruação, porque é um pouco difícil para eu falar sobre isso e porque não li nada a respeito e então vou ter que me basear na minha própria experiência.

A minha primeira menstruação veio aos 11 anos e meio, faltavam três meses para o meu aniversario de 12 anos e para a minha sorte, minha prima estava na minha casa e pode me auxiliar neste dia, minha mãe iria viajar e não podia me dar atenção.

Eu obtive o diagnóstico de asperger, agora, aos 41 anos. Então, quando eu era criança e adolescente ninguém sabia o que era asperger, a síndrome só foi oficialmente reconhecida como critério de diagnóstico no DSM-IV em 1994 e em 2013 foi incluída como Transtorno do Espectro do Autista.

Eu já sabia que mulheres menstruavam, já havia estudado algumas coisas sobre os órgãos reprodutores na biblioteca do colégio, apesar de sentir muita vergonha de olhar as imagens dos livros e ler sobre esse assunto, mas eu precisava saber e tirar as minhas duvidas.

Minha primeira menstruação foi assim, eu não sabia o que fazer e a minha prima que já havia passado por essa experiência pode me ajudar, comprou absorvente e disse como eu devia colocar,  era um verdadeiro incomodo. Eu senti raiva por estar passando por tudo aquilo, não queria aceitar e fiquei com esses pensamentos só para mim.

Mas o pior ainda estava por vir, porque eu simplesmente esquecia que isso iria acontecer todos os meses dali para frente. E todo mês eu esquecia de novo, eu era criança e não tinha condições de pensar sobre isso, a infantilidade do asperger dura muito tempo.

Certa vez desceu no colégio e eu me sujei muito, estava com um vestido branco (um que eu sempre usava e ele era horrível) e coloquei uma blusa na cintura para disfarçar, não tinha coragem de falar para ninguém, então, resolvi ir para casa. Dentro do ônibus um cara tentou me agarrar e eu o empurrei e fui para perto do motorista, eu sempre fazia isso porque andava de ônibus desde nova e tudo era marcado para que eu pudesse me situar, eu estava muito irritada e a única imagem que eu tinha na minha cabeça era daquele sangue todo em mim. 

Na época eu não pensei sobre esse acontecimento, porque tudo era confuso demais na minha cabeça, foi uma época difícil, sem amigos e tentando fazê-los. Mas hoje, eu penso. Como esse cara se achava no direito de fazer isso? Ser mulher é um susto, ser uma asperger o susto aumenta em vinte vezes.

Para nós tudo é um pouco mais difícil, não nos enganamos com relação às pessoas, mas demoramos para captar as intenções delas e claro que a gente não sabe disso. Só descobrimos essa dificuldade quando começamos a ler sobre asperger e as fichas vão caindo. Então, uma mulher aspie pode se colocar em risco sem saber e também tem a questão do processamento sensorial que é um pouco diferente para os neurotípicos. 

Se eu tento voltar lá atrás, nessa idade, parece que existem centenas de vozes dentro da minha cabeça e tudo se torna denso. O meu hiperfoco nessa época era eletrônica, a xuxa e os filmes. Eu assistia muitos filmes, locava uns 10 filmes por final de semana, alguns repetidos porque eu precisava assistir várias vezes. O hiperfoco me ajudou a sobreviver, eu me transportava para outro mundo e ficava lá a maior parte do tempo. As pessoas me criticavam por gostar da xuxa, mal sabiam elas que era uma fuga da realidade, que eu precisava criar aquele mundo para sentir as emoções, ter alguma referência feminina e nessa época uma forma de suprir a carência afetiva.

A menstruação para mim foi um trauma, eu sentia muitas cólicas, desmaios e vontade de morrer, a depressão me arrastava para um buraco profundo. Na verdade até hoje é assim, os desmaios são raros, mas ainda sinto as cólicas e a depressão, melhorou porque os remédios ajudam a aliviar a dor e agora fico mais quietinha, não vou a lugares com muitas pessoas.

Acho que a adolescência é uma época difícil para todas as pessoas, as mulheres sofrem mais com as mudanças e uma Aspie sofre porque ela não está preparada para tantas alterações de rotina e de comportamento, ela pode ter lido em livros e visto nos filmes, mas a realidade é bem diferente, é onde vamos lidar de frente com essas situações e cada aspie terá uma reação diferente.

Uma época que precisamos de apoio, de pessoas que possam conversar amigavelmente e esclarecer nossas duvidas, geralmente não perguntamos nada, porque temos vergonha e nem sabemos definir o que sentimos. Para mim sempre foi um pouco estranho lidar com o meu corpo, havia uma sensação de que este corpo não era exatamente meu.




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2 comentários

  1. Imagino o quão difícil foi. Para eu que sou homem, tive que lidar com o mau cheiro por conta dos hormônios e até falta de higiene. Eu simplesmente não ligava se já tinha usado a roupa mais de duas vezes ou passar desodorante. Acredito que para a menina, os cuidados são maiores. Foi uma época difícil também que bagunçou ainda mais meu lado social e eu comecei a odiar ainda mais as pessoas, principalmente as meninas. Hoje penso se era total culpa minha. Ou se era impossível de reverter.

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    1. Sim, essa é um época dificil para todo mundo, pelo menos é o que a gente ouve falar. Mas sendo asperger piora ainda mais, são muitas mudanças e esses cuidados que você comentou, sem a atenção dos pais, principalmente da mãe, fica quase impossível a gente passar pela adolescência sem adquirir um trauma.

      Não sei se as coisas tivessem sido diferentes, se elas seriam mais fáceis ou continuaria dificil mas só de um jeito diferente. Não sei mesmo, acho que no meu caso só seria diferente se eu tivesse nascido em outra família, não estou reclamando deles e nem querendo dizer que são pessoas ruins, mas com certeza eles não são preparados para lidar com atípicos e nem fazem ideia do que isso significa. Eu sofri e ainda sofro pela culpa, mas gostaria de dividir um pouco com as pessoas que estão envolvidas nas minhas histórias, porque de uns tempos para cá tô achando justo.


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