Um asperger em intercâmbio - Parte 3

by - setembro 19, 2018

Aqui são 10h a.m. e no Brasil são 05h a.m. Eu ainda não me habituei com a mudança de horário e tenho ido dormir somente depois das 02h a.m., hoje só consegui as 04h a.m.

Em Malta o pessoal adora a vida noturna, estou hospedada no centro da cidade de St. Julian's e  os bares são um do lado do outro com as mesas nas calçadas. Com a sensibilidade sensorial mais aguçada, estou tendo muito dificuldade para dormir, acabo me sobrecarregando muito com o barulho da rua, com o fato de  dormir com pessoas que eu não conheço e eu ouço até os barulhos dos outros quartos.

Então de manhã estou ficando na casa, hoje vou arrumar o quarto, porque é dificil para mim ficar no meio da bagunça, uma bagunça que nem é só minha. Eu já estou muito sobrecarregada de novas informações, então, não posso descer da cama (eu durmo em um beliche que está detonando os meus joelhos e minhas pernas estão muito roxas) e ver toda a sujeira de cabelos, poeira, roupas, sapatos e garrafas de bebida pelo chão.

Ainda é muito recente para saber o que eu aprendi com essa experiência e também para aprender tudo, isso só irá finalizar quando eu estiver em casa, mas de uma coisa eu tenho certeza: O conhecimento que tenho sobre mim mesma, tem me ajudado a sobreviver.

Eu já estava muito triste no Brasil, com uma depressão bem aguçada cercada de pensamentos suicidas. Fiz muitos planos de entrar no mar de Malta e não sair mais, ainda sinto vontade de fazer isso. Ao mesmo tempo eu queria ficar um pouco mais. É muito confuso para quem tem depressão, pensamentos positivos e negativos brigam entre si, um quer ter mais razão do que o outro e no final a gente se sente cansado.

Não devo mais publicar as coisas no facebook, pois fiquei muito triste com os últimos acontecimentos e com a falta de respeito pelos meus sentimentos. O meu quadro depressivo aumentou e eu tive que me esforçar muito aqui para conseguir melhorar um pouco.

Sábado pretendo ir para Paradise Bay, que é uma das praias mais linda de Malta, tenho me programado para assistir o por do sol  lá e entrar no mediterrâneo, sentar na areia e escrever o que pretendo fazer quando voltar ao Brasil.

Uma das minhas decisões está relacionada ao lado profissional, quero muito me valorizar e ser valorizada como profissional. Eu estudei e estudo bastante. Nada para mim veio fácil, eu não nasci sabendo programar e nem tive muita sorte nas minhas escolhas. Me esforcei desde o inicio que decidi fazer uma faculdade, não tinha amigos, as pessoas me julgavam porque eu tinha sobrepeso, eu não conseguia andar (imaginem como era andar dentro da univali?). Eu desisti e tentei 4 vezes até que consegui e finalmente me formei, e essse era o meu maior sonho. Só levei a minha profissão de programadora ou desenvolvedora de sistemas adiante depois de receber o meu diploma, não fiz como eu vejo as pessoas fazerem, se intitulam sem ter estudado, eu acho isso errado e não repeti o mesmo erro, embora eu programo desde os 16 anos.

Pretendo analisar melhor minhas questões, fazer as contas do que compensa para o meu futuro e repensar na possibilidade de conseguir um emprego em uma empresa boa, eu me sinto muito sozinha trabalhando em casa, não tenho regras e me sinto perdida muitas vezes.

Eu vim para Malta tomar decisões, confirmar o que eu já sabia sobre mim, confirmar que eu consigo fazer muitas coisas sozinha e que o autismo não impede que façamos essas coisas, embora, às vezes, precisamos de mais tempo do que os demais, ficamos mais tristes e impressionados também. Agora mesmo eu escuto barulhos de furadeira e mais um monte de barulhos de construção, devem estar longe daqui, mas é o barulho que está me deixando irritada.

Vou confessar algo que somente a minha família sabe, eu tinha a ideia fixa de cometer suicídio aos 42 anos. Sempre tive uma programação para a morte, mas sempre acontecia alguma coisa e eu mudava de ideia. Queria morrer aos 27 anos, quando cheguei nessa idade eu não consegui, acabei fazendo coisas que de alguma forma representaram a morte de uma parte minha. O suicídio é assim, embora a pessoa que o concretize tire toda a sua vida, na verdade ela gostaria de tirar só a parte que incomoda, ela sabe que poderia viver mais coisas mas pensa que não vale mais a pena. Eu penso isso também, às vezes, mas tenho uma curiosidade pelas coisas humanas, pelos nossos sentimentos, por esse caos que a gente constrói em tudo o que é lugar e vive dentro dele.

Talvez este intercâmbio tenha esse mesmo simbolismo.

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