Sobre escolhas
Ser autista nesse mundo é bem mais difícil do que parece.
Nossa principal dificuldade é na comunicação, às vezes, demonstramos exageradamente o que sentimos e, às vezes, não conseguimos nos mover.
O mundo é feito para pessoas que sabem se comunicar, que conseguem entender as outras pessoas e todas as mudanças que acontecem quando se relacionam. Não existe uma receita pronta como costumamos entender, as pessoas mudam e a forma como elas se relacionam umas com as outras também. O que elas falam nem sempre é o que elas querem dizer, muitas vezes falam coisas e suas atitudes demonstram o oposto do que falaram, isso é muito confuso para nós.
Estou passando novamente por uma fase difícil e eu nem sei se agradeço ou se fico triste. Passei por vários momentos difíceis do ano passado para cá, todos promovidos pelas minhas escolhas. Talvez, eu devesse agradecer porque tive a chance de escolher e a coragem de seguir.
Em maio eu estava em um emprego, pela primeira vez consegui passar em um concurso público, isso já é um motivo de orgulho para mim. Eu não consigo ir bem nessas avaliações, além da ansiedade, não consigo me concentrar tempo suficiente em uma prova. Me perco, penso em outra coisa, faço desenhos, anoto as respostas erradas na hora de preencher o cartão resposta, quando vejo o tempo acabou e preciso entregar a prova.
O salário era razoável, embora seja o maior que eu já ganhei na minha vida. Então, rapidamente eu fiz os meus planos, juntaria dinheiro até dezembro com mais o que eu tinha guardado graças a um investimento que deu certo e daria de entrada em um apartamento. Eu gostaria muito de ter conquistado alguma coisa na minha vida, não queria passar em branco e já está bem tarde para mim.
Foi quando surgiu a ideia de um projeto e fui convidada a participar, o preço era algum dinheiro e a saída do emprego. Na verdade para mim não era só isso, eu precisava deixar o meu plano de lado. Fiquei muito nervosa naqueles dias, as pessoas próximas a mim, disseram que não era um bom negócio e queriam entender o que me movia a aceitar esta ideia. Eu não costumo dar muitas explicações sobre as minhas decisões, decido e pronto, mesmo sentindo medo.
Eu me sinto corajosa, às vezes. Noutras me sinto uma tola. Me sinto tola quando percebo que eu tenho um talento que não sei utilizar e que não aprendi a fazê-lo ser útil. Não ganho dinheiro com o meu talento, se não ganho dinheiro é porque ele não é útil e não serve para muita coisa.
Tenho muita dificuldade com valores, não consigo entendê-los, são abstratos demais quando preciso colocar em um serviço que eu presto. Meu cérebro não possui essa configuração, por mais que eu estude, assista vídeos, faça planilhas, converse com pessoas.
Vou ilustrar com um exemplo: Uma pessoa sabe dirigir um carro, ela dirige bem e sabe exatamente todos os procedimentos, colocar a chave, pisar na embreagem, engatar a marcha e pisar no acelerador. Mas ela não sabe onde colocou a chave do carro, tudo o que ela sabe sobre dirigir não serve porque ela não sabe onde está a chave.
Então, ela pergunta para as outras pessoas, e elas dizem: há mas é fácil, é só você colocar a chave, pisar na embreagem, engatar a marcha e pisar no acelerador. E a pessoa diz, mas eu sei disso, só que não sei onde está a chave. E, então, as pessoas continuam repetindo a mesma coisa de colocar chave e apertar no acelerador.
É assim que nos sentimos quando não conseguimos executar algo. Acho que todos os autistas possuem uma dificuldade assim, seja a respeito de valores, de relacionamentos ou outra coisa.
Então, eu sempre cobrei o que achava justo pelo meu trabalho, mas isso não me trouxe nenhum retorno financeiro. Tudo que tenho é fruto de muito esforço, dias e dias trabalhando sem parar. Nunca consegui ser desonesta com as pessoas, sempre digo exatamente o que está acontecendo, o que é possível e como impossível é uma palavra que nenhum autista reconhece, tudo é sempre possível, mesmo que requeira muito esforço.
Hoje, às vezes, me obrigo a olhar para fora, para a atitude dos prestadores de serviço, e fico chateada com tanta desonestidade, em ver como se aproveitam da falta de conhecimento. Mas, então, eu me vejo um pouco nessa situação também, quando não consigo entender o que querem de mim, quando não consigo entender os valores e algumas pessoas se aproveitam disso.
Agora eu preciso ser corajosa, forte e ter sabedoria para seguir o meu caminho. Fico ansiosa e isso me deixa um pouco depressiva, um pouco triste e com vontade de chorar. Mas eu também sei que possuo um superpoder chamado: fé.
1 comentários
Oi! Adorei que impossível é uma palavra que autista desconhece... porque o impossível é só um ponto de vista... Mas em relação ao seu talento, fiquei confusa - não consegui entender qual é ele e não consigo imaginar porque ele não é útil para ninguém... Sempre é! Parabéns por sua coragem, que para mim é um dom incrível!
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