Eu tenho 43 anos e diagnóstico tardio em autismo leve. Passei a vida tentando entender o mundo e as pessoas. Uma boa parte dessa falta de entendimento se deve ao pensamento literal: as metáforas e as metonímias.
Metáfora é uma comparação, na qual se atribui qualidade a algo através de uma semelhança. Ex.: "Você é uma flor.", isso sempre me soou como mentira, falso, no meu cérebro acende um alerta vermelho, porque eu não sou uma flor. Mas, na verdade, as pessoas utilizam essa metáfora para comparar alguém, no caso eu, as qualidades de beleza, graciosidade e etc... Hoje eu posso saber o que isso significa, mas para mim continua sem nenhum sentido.
Metonímia é a correspondência da parte com o todo. Ex. "Eu li Fernanda Young.", que quer dizer que a pessoa leu um livro ou a obra da autora. Outra metonímia muito comum é quando chamam um produto pela marca, mas na verdade estão falando do conteúdo. Na minha casa havia o cesto de roupa suja, mas a minha mãe o chamava de "lixo de roupa suja". Então quando dizia: coloque essa roupa no lixo, eu jogava a roupa no lixo de verdade.
Pessoas com autismo têm mais dificuldades tanto com a metáfora quanto com a metonímia, que, muito mais do que apenas figuras de linguagem, são processos cognitivos.
E o que é cognição? A cognição é o ato que consiste em processar as informações. A função dessa habilidade é o de perceber, integrar, compreender e responder adequadamente a todos os estímulos do ambiente de uma pessoa. Vale ressaltar que isso leva o indivíduo a pensar e a avaliar como e o que fazer para cumprir uma tarefa ou uma atividade social.
Autistas tem falhas na função executiva, que são as habilidades cognitivas e estão relacionadas ao lobo frontal, e tais funções nos ajudam a:
- gerenciar o tempo;
- prestar atenção;
- alternar rapidamente o foco;
- planejar e organizar;
- lembrar de detalhes;
- evitar dizer e fazer coisas inadequadas;
- agir conforme a experiência.
Então podemos apresentar os seguintes problemas:
- Notar pequenos detalhes, mas ter dificuldades para ver como eles se encaixam no todo, a menos que apoio externo esteja disponível.
- Ter problemas em manter um pensamento, o que pode levar a problemas para seguir orientações simples. Por exemplo, instruções como “vá para seu quarto e calce os sapatos” podem ser esquecidas em algum momento entre a primeira ação (ir ao quarto) e a segunda (calçar os sapatos).
- Ter problemas para planejar, organizar e/ou sequenciar o pensamento, assim como para manter a atenção. Isto pode levar a problemas para completar as tarefas diárias como vestir-se, cuidar da higiene ou cozinhar. (Eu mesma só consigo fazer um tipo de comida com muito treino e sorte).
- Achar difícil fazer a transição entre uma atividade e outra. Sendo taxados de “cabeça-dura”, pois a pessoa fica “presa” a um pequeno detalhe ou rotina e recusa-se a se mover a menos que tal rotina seja satisfeita.
Eu faço terapia para me ajudar na execução de tarefas que são comuns para a maioria das pessoas, são coisas quase intuitivas para os neurotipicos, mas para os atípicos podem ser difíceis e complexas, pois exigem o funcionamento de uma parte disfuncional do nosso cérebro.
Lembrando que um autista é diferente do outro e muitos podem ter alguns desses problemas enquanto outros nem tanto. E que é importante encontrar maneiras de favorecer a evolução das crianças logo na primeira infância, pois, as funções executivas desempenham um papel essencial no seu desenvolvimento e no seu sucesso até a idade adulta.
Espero que tenham gostado do texto e que esclareça um pouco sobre a tão falada literalidade no autismo.
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