Parei de escrever aqui por uns dias, entrei em crise e foi muito ruim. Está sendo muito dificil para mim ficar aqui, na verdade todos os lugares para mim são muito difíceis, em casa ou em qualquer outro lugar, eu quase nunca me sinto confortável.
Não fiz amigos aqui, eu imaginava que esse seria o meu maior desafio e a minha maior dor, porque geralmente eu não gosto da mesma coisa que as outras pessoas gostam, a minha argumentação também é sempre bem diferente e muitas vezes as pessoas levam isso como uma grosseria ou arrogância.
Durante a semana tenho passado o tempo no quarto, não tenho muito o que fazer nessa cidade, não descobri nenhum lugar que eu goste de estar, há não ser a "praia" (estou só chamando de praia porque eles chamam assim, mas eu não considero uma praia), o problema é que fica bem longe daqui, há 1h30 de ônibus e ai não dá para ir e voltar durante a semana por causa da escola. E fora que eu me sinto cansada na maior parte do tempo.
Preciso decidir muitas coisas quando eu voltar para o Brasil, principalmente a respeito do meu trabalho, penso em arranjar um emprego em uma empresa para eu conseguir me desenvolver socialmente, desde que saí do meu ultimo emprego desaprendi completamente como devo falar com as pessoas, como entendê-las de forma que eu não gere conflito por expor o que eu penso no momento que eu penso, o meu mundo está mais fechado do que nunca.
Ficar aqui no quarto fechado não me faz bem, tem todos os barulhos da casa e quando eu abro a sacada como agora, é ensurdecedor, pelo menos para mim é como se tivesse um vácuo que puxa toda a minha atenção para o lado de fora. Na rua tem muito vento e eu sinto muito frio, não trouxe nenhuma roupa de frio e o está é a temperatura que me deixa de muito mal humor.
Tenho evitado falar com as pessoas pelo whatsapp, porque não posso dar minha opinião, sempre tenho que passar a mensagem de que estou muito bem e feliz, mesmo que isso não faça parte da minha realidade aqui e nem na vida real. Me sinto muito triste por viver em um mundo que as pessoas não podem mais se expressar, dizer o que pensam e nem contestar. Então estou assim, mais sozinha do que nunca, sem nem ao menos poder ter uma conversa pelo whatsapp explicando quais as dificuldades que estou passando por aqui, e se não posso falar das dificuldades também não me sinto a vontade para falar das coisas boas, já que essas classificações sempre andam juntas.
Eu fiquei pensando se nessa casa só tivessem autistas e um neurotípico, acho que o neurotípico iria se sentir deslocado e sozinho, assim como eu me sinto. A diferença é que ele iria reclamar para os seus amigos e eles iriam compreender, não iriam dizer que ele devia mudar de opinião e olhar tudo com outros olhos.
A escola é legal e como o que me puxa para a vida é o aprendizado, lógico que essa seria a parte que definiria a minha estadia aqui, a escola ganhou. É muito bacana estudar lá, perceber as outras pessoas de nacionalidades diferentes, tem colombianos, espanhóis, japoneses, russos, brasileiros... Às vezes, eu chego cedo só para ficar sentada observando o jeito de cada um e como cada pessoa faz para se virar, conforme é a sua cultura.
Os japoneses sempre andam nos grupos deles (tem muitos aqui), os russos sempre estão no celular e os brasileiros e os espanhóis dão risada o tempo inteiro, falam muito entre si e se divertem uns com os outros, pois as linguagem são similares e eles tem o mesmo jeito de se expressar.
Eu sempre quis fazer intercâmbio, era o meu sonho de adolescente, mas naquela época não tínhamos informações e minha mãe achava que iria ter que receber outra pessoa na casa dela. Talvez, se eu tivesse feito intercâmbio naquela época seria mais fácil por causa da idade e iria conviver com uma família, talvez fosse mais fácil no sentido da inclusão.
Agora estou aqui realizando um sonho antigo, não era bem o que eu esperava para falar a verdade, mas se eu pensar em todo o caminho que percorri, nos dois anos de financiamento, na economia de dinheiro, na pesquisa e o estudo para aprender sobre investimentos financeiros e poder aplicar o dinheiro, valeu a pena. Hoje não passo nenhum tipo de aperto financeiro aqui em Malta e acredito que ainda sobrará um dinheiro. É o que dizem: vale muito mais o caminho percorrido do que a linha de chegada.
Sei que em casa nós autistas devemos cuidar muito do nosso emocional, perceber quando estamos recebendo muitos estímulos sensoriais e quando as pessoas nos criticam tanto que ficamos muito confusos, a ponto de não saber mais quem somos. Mas em um intercâmbio é muito mais dificil, é como se estivéssemos andando no fio de uma navalha, não posso pender para nenhum dos lados, eu preciso andar em linha reta, passo por passo, mantendo a calma. Mesmo fazendo muitas coisas erradas por aqui, mesmo com todas essas mudanças o tempo inteiro, tanto de pessoas como de coisas eu preciso manter a calma. Já fui enganada na questão de dinheiro duas vezes, já perdi todo o meu material escolar e a minha carteira, mas estou aqui tentando manter a calma dentro de mim.
Vamos seguindo em frente. Vamos com calma, só por hoje. :)